Programa Camisa 10 e outros sucessos

MAGELA: A TV Industrial transmitia os jogos do campeonato carioca e quando acabava o jogo, os torcedores… Porque o programa Camisa 10 não tinha compromisso com a seriedade. Ele era um programa de deboche, de gozação. O América era representado pelo Zé Pedro Martins, saudoso Zé Pedro Martins. O Fluminense pelo Carlos Sampaio, ou pelo deputado… Esse que agora é membro do Tribunal de Contas, Sebastião Helvécio. Geraldo Mendes representava o Botafogo e por aí afora. O Geraldo Mendes começou apresentando o programa. Quando ele apresentava eu era representante do Botafogo. O que que era a participação do torcedor? A participação dele era contestar o que o outro dizia. Por exemplo: “esse gol foi de impedimento”. “Não foi de impedimento”. O que tomou o gol falava foi de impedimento, o que fez o gol ia dizer que não, aí debatia. E acabava ficando gostoso. Ia gente lá pra cima pra assistir o programa. E esse programa chamava-se Camisa 10. Foi um sucesso.
FLÁVIO: E ele era no auditório ou não?
MAGELA: No auditório. Um sucesso absoluto. Quando ele, às vezes, era realizado às quartas-feiras, que tinha campeonato carioca, que no meio de semana tinha jogo, a quantidade de carro que ia pra lá de noite pra debater, todo mundo queria participar.
FLÁVIO: E a plateia podia participar?
MAGELA: Às vezes participava, não concordava com aquilo.
FLÁVIO: Tinha um microfone ou a pessoa berrava?
MAGELA: Berrava e você chegava com o microfone nele.
FLÁVIO: E aí, Magela, você representava o Botafogo. E aí, quem era os outros representantes?
MAGELA: Os outros representantes eu já disse: era o Sebastião Helvécio e o Carlos Sampaio. Mais o Carlos Sampaio. O Carlos Sampaio era muito ativo no programa.
FLÁVIO: E assim, você lembra que time eles representavam?
MAGELA: Fluminense.
FLÁVIO: Quem? Então pera aí. O Sebastião Helvécio?
MAGELA: Eventualmente ia lá e participava do Fluminense. Foi onde o Sebastião Helvécio foi conhecido em Juiz de Fora. Daí ele saiu pra política.
O Zé Pedro Martins era o América, eles gozavam muito o Zé Pedro Martins, que a torcida do América cabia em uma Kombi, ia por aí.
Eu, Carlos Sampaio, Paulo Resende… Paulo Resende era o Flamengo. Nós representávamos um clube fixo. Nós éramos fixos. Nós estávamo sempre lá. Teve uma ocasião que a seleção brasileira veio a Juiz de Fora, de novos, o técnico era Cláudio Coutinho, ele me deu as camisas todas do time que jogou aqui. E eu levei as camisas lá pra cima, para o programa, a camisas ainda estavam molhadas. Falei que ia distribuir as camisas, quantidade de gente que subiu o morro pra ir lá ganhar as camisas. O programa tinha uma audiência bárbara, mas muita audiência.
FLÁVIO: E a plateia enchia, Magela?
MAGELA: Enchia.
FLÁVIO: Então, Magela, como juntava torcidas rivais, alguma vez teve briga ou confusão?
MAGELA: Não. Quem brigasse não entrava lá mais. Quem brigasse não entrava lá mais. Lá já sabia o que que era. Cada um vai defender seu clube. O gol do seu clube podia estar sozinho dentro do gol ou feito com a mão que estava legítimo. O outro, o gol podia ser legítimo que ele ia arranjar um defeitozinho naquele gol, tudo pra criar polêmica. E aquilo deu uma força. Ora, deu uma força tal que eu fiz um time chamado Camisa 10, e jogava nesss cidades do interior. São João Nepomuceno, Rio Novo, Leopoldina, Cataguases, onde tinha aniversário da cidade nós iamos jogar. Nós jogamos em Leopoldina contra a seleção de Leopoldina. Lotou o campo. Lotou. Nosso time todos eram camisa 10, do goleiro ao ponta esquerda. Por que? Por causa do nome do programa. Então eu fiz aquilo mesmo pra… O único do Camisa 10 que jogava era o Geraldo. No mais eram jogadores do Nacional do Ladeira, que eu levava pra jogar, pra formar o nosso time.
FLÁVIO: Nessa época…
MAGELA: Jornal era todo dia.
FLÁVIO: Jornal a que horas?
MAGELA: 7… 8 horas. Todo dia. Outro que também trabalhou muito no jornal, inclusive na produção e na apresentação, foi o Natálio Luz. Natálio Chianello. Muito tempo. Natálio é um baita de um profissional, de uma competência enorme.
FLÁVIO: E o que ele fazia na Industrial?
MAGELA: Cultura. Fazia cultura. A Marilda Ladeira, também apresentava cultura, o noticiário de cultura.
FLÁVIO: Agora, a Regina Gaio fala assim, Magela: “não tinha muito como mostrar imagem. Era só no blablablá”.
MAGELA: Só no gogó. E fotos. Se tivesse uma foto, a câmera focalizava na foto. Mas era muito raramente. No mais era a imagem do apresentador o tempo todo inteiro.
FLÁVIO: Juiz de Fora inteira assistia a Industrial? O que você acha?
MAGELA: Assistia. Futebol éramos nós que transmitíamos. Tinha ninguém pra transmitir.
FLÁVIO: Então, nessa época, pegava o que aí? A Tupi?
MAGELA: Rio, TV Rio, TV Tupi…
FLÁVIO: E um pouquinho a Continental também, né?
MAGELA: Continental… Mas a Continental chegava com a imagem muito chuviscada aqui em Juiz de Fora. A TV Rio, com o Luiz Mendes narrando, né? Porque o Luiz Mendes começou como narrador. Depois é que ele foi ser esse grande comentarista, que, infelizmente, nos deixou a pouco tempo.
FLÁVIO: Como é que era trabalhar na Industrial?
MAGELA: A gente fazia muito com amor, né?! Muito. Com muito amor. Tinha 4, 5… 3, 4 câmeras.
FLÁVIO: Eu tô imaginando, Magela, vocês do Camisa 10, eu acho que era todo mundo por amor, acho que ninguém ganhava nada, né?
MAGELA: Não, ninguém ganhava nada não, uai?! O programa não tinha nem patrocínio. Era muito difícil patrocínio. Quem me ajudou muito, além das Lojas Parma, da Móveis Parma de Ubá, foi a Casa Mathiasi, ali da Rua Batista de Oliveira, já até acabou. Do Mathiasi.
FLÁVIO: E ela ajudava com o que?
MAGELA: Pagava mensal, material. E eu tinha que uma comissão. Se arranjava um patrocínio, ele te dava uma comissão de 20%. E as Casas Mathiasi vendia material de construção. Uma ocasião ele estava com umas máquinas de puxar água encalhadas e nós levamos essa máquina lá pra cima, e eu mostrava essa máquina puxando água. Aquele repuxo. A mesma água que puxava, ela ia e voltava e mostrava lá em cima no programa. Eu mesmo que mostrava. Acabou, vendeu tudo.
FLÁVIO: Você teve como mostrar a máquina funcionando?
MAGELA: Funcionando. Porque ela é elétrica, né? É, aquilo funcionou. Essas roças aí. Pois não era só Juiz de Fora que pegava. A região toda pegava. Pegava bem.
FLÁVIO: E aí Magela, você falou que lá tinha, então, duas câmeras?
MAGELA: Duas câmeras, sempre trabalhamos com duas câmeras.
FLÁVIO: Tinha muita gente trabalhando lá? Como é que era lá, Magela?
MAGELA: Não, trabalhava… O jornalismo tinha gente. Praticamente era o mesmo jornalismo que fazia o noticiário da Rádio Industrial.
FLÁVIO: Tá. Aí o pessoal subia. Vamos dizer… Trabalhava com você?
MAGELA: Não. Os que apresentavam subiam, os que faziam matéria entregavam a matéria e pronto.
FLÁVIO: Então lá em cima num ficava muita gente não, né?
MAGELA: Ah… Você falou Regina Gaio, produziu muito na TV Industrial.
FLÁVIO: Mas ela ficava lá em cima ou lá em baixo?
MAGELA: Ficava lá em baixo. Lá em cima não tinha ninguém não, só os técnicos. O Wilson Cid também produziu matéria para o jornal.
FLÁVIO: Mas tinha, assim, um telefone pra tirar uma dúvida? Tinha como?
MAGELA: Tinha telefone.
FLÁVIO: Desde o início tinha como?
MAGELA: Tinha como você comunicar.
FLÁVIO: Quem você lembra de técnicos, lá?
MAGELA: Célio Maia.
FLÁVIO: Ele era o que?
MAGELA: Célio Maia era câmera, era fotógrafo. Ele era um faz tudo. Produzia alguns cenários. Cosme. Parece que ele está na Globo até hoje. O Clóvis Araújo. O João, que trabalhava no Banco Crédito Real, mas também na parte técnica dava a sua contribuição. Enfim, praticamente os mesmos que trabalhavam na rádio.
FLÁVIO: E o Sérgio Mendes e o Gudesteu, ficavam muito lá em cima?
MAGELA: Ia muito. Muito. Aquilo era como se fosse o filho mais novo deles. Tratado com todo carinho.
FLÁVIO: E agora, ô Magela, você acha que eles conseguiram ganhar dinheiro com a Industrial?
MAGELA: Não. Não, não ganharam.
FLÁVIO: Nunca?
MAGELA: Nunca ganharam. Até pelo contrário, sacrificaram o patrimônio na expectativa de que pudessem fazer rentabilidade na Industrial e não conseguiram. Porque Juiz de Fora não entendeu o valor de ter uma TV geradora. Principalmente naquela época de 60, das década de 60. Não entendeu o valor da divulgação das nossas coisas: a nossa indústria, o nosso comércio… Não colaborou. Era muito pouco o que se conseguia de patrocínio aqui em Juiz de Fora. Por isso é que, inclusive, eles tiveram que vender. A própria prefeitura… Era uma loucura pra conseguir um patrocínio da prefeitura. Hoje, talvez a melhor arrecadação de uma televisão hoje em Juiz de Fora seja os recursos da prefeitura.
FLÁVIO: Quem era esse prefeito aí, nesse início da década?
MAGELA: Itamar Franco.
FLÁVIO: Agora, o Itamar apresentou um programa também, não é?
MAGELA: Não, ele não apresentou, ele tinha muita ligação com o Geraldo Mendes, que eles eram até compadres, e muita ligação com o Dr. Sérgio, e ele tinha trânsito livre, o que ele quissesse ele chegava pra fazer.
FLÁVIO: Eu acho que é: Juiz de Fora em Três Dimensões, né isso?
MAGELA: Juiz de Fora em Três Dimensões. Ele tentou fazer programa. Ele gostava. Por um pouco período, por um curto período.
FLÁVIO: Mas será que ele tinha noção que aquilo ali podia ajudá-lo na política?
MAGELA: Tinha, foi por isso que ele foi fazer. Isso foi ideia do Geraldo Mendes. Levá-lo de frente pras câmeras pra que ele ficasse conhecido do grande público.
FLÁVIO: E ele era prefeito, já era prefeito?
MAGELA: Também.
FLÁVIO: E, por exemplo, o Sebastião Helvécio. Você acha que o Sebastião Helvécio tinha noção? O pessoal já sacava que aparecer ali podia ajudar?
MAGELA: Ah, claro. Esse pessoal num… Eles têm um objetivo e sabem o fim a atingir. A TV Industrial com os programas de auditório, com os programas de cobertura de carnaval, cobertura de eleição… E no período eleitoral, os candidatos todos iam pra lá, falar. O período pós-eleitoral eles iam pra lá também pra vender seu peixe. Teve um programa também de muita, muita repercussão, de muita audiência. Foi um programa feito pelo Rafael Jorge. Rafael Jorge morreu há algum tempo.
FLÁVIO: Era sobre o que o programa do Rafael?
MAGELA: Era um talk show. Eu tenho impressão que foi o primeiro talk show do Brasil. Um dos primeiros. Ele levava lá um grande pianista, subia com o piano lá pra cima, com dificuldade. Um grande músico, um jogador de futebol, uma cantora, um político… Quem produzia esse programa era o Heitor Augusto, irmão do Zé Carlos. E quem conduzia o programa era eu. Todo sábado.
FLÁVIO: Como é que isso, Magela, me explica. Conduzir, entrevistar, como é que é isso? Quem faz o que?
MAGELA: Quem entrevista é o âncora do programa.
FLÁVIO: Você apresentava ali, aí como é que era?
MAGELA: Não, eu não apresentava o programa do Rafael.
O Rafael apresentava. Nós montávamos. Eu montava o programa pra ele. Quem escrevia o script do programa era o Heitor Augusto. Que, por exemplo, ele vai levar lá um cantor, ele não vai lá só cantar. Ele tem que ser entrevistado, vai ser… Muita coisa vai ser perguntada, como acontece hoje. O Heitor Augusto fazia a abertura, as perguntas e o fechamento do programa. Essa era a parte do Heitor. Qual era a minha parte: montar os queijos, montar a estrutura pra que ele aparecesse. Tem que colocar uma fruteira: vou por pra lavar a fruteira, vou colocar um… Era um contra-regra praticamente. Eu fazia isso pra ele. Chegava as pessoas que tinham que… Ele tá entrevistando um, você tem que entrevistar o segundo, ele tá… Você já está preparando aquele segundo que vai entrar. Essa era a minha missão no programa. Durou mais de ano. Esse programa dele foi um programa muito bom. E ele era uma pessoa…
FLÁVIO: Ele já tinha o Raffa’s?
MAGELA: Já tinha o Raffa’s. Pra ele era bom, porque ele não só se divulgou lá com a casa de loterias dele, na Rua Halfeld, dele com o irmão, que começou com o pai, como também com o Raffa’s, né? O Raffa’s foi um point extraordinário em Juiz de Fora. Ele até publicou “A noite no Raffa’s”, em que ele tem algumas citações.
FLÁVIO: Se já era conhecido no rádio, né? Fica mais conhecido ainda.
MAGELA: Eu já era conhecido do futebol. Conhecido no rádio, conhecido na televisão, conhecido na política.
FLÁVIO: E isso te valia de alguma coisa? Abria alguma porta? Ajudava alguma coisa?
MAGELA: Eu nunca pretendi. Eu nunca soube explorar isso. Nunca soube. Sempre fui muito amador. Ajudei o Itamar um tempão. Nunca preocupei em ser aproveitado. E foi por aí afora.
FLÁVIO: Que político que você acha que conseguiu se beneficiar da Industrial?
MAGELA: Mas não ajudou o Geraldo Mendes. O Geraldo Mendes foi candidato a deputado federal. O slogan era: “A bola não pode parar”. Por que que a bola não pode parar? Porque a TV Industrial é que mostrava futebol, que o povo queria ver a semana inteira. Então o slogan dele era de candidato a deputado, a bola… O povo não entendeu.
FLÁVIO: A votação foi pequena?
MAGELA: Foi pequena em relação que ele pretendia. “Esta bola não pode parar”. Se ele fosse eleito deputado federal, talvez não tivesse vendido a TV Industrial. Porque ele teria força pra conseguir recursos junto ao governo federal ou aos governos estaduais.
FLÁVIO: Você tem ideia mais ou menos quando foi isso?
MAGELA: Geraldo?
FLÁVIO: É.
MAGELA: Ah, foi na década de setenta… Na década de oitenta. E a bola parou. Não elegeram o Geraldo, a bola parou. Cabou. Pra mais tarde, venderem a TV Industrial pra TV Globo, que era canal 10, agora é canal 5.
FLÁVIO: Ô Magela, agora, você acha que eles tavam endividados na época que eles venderam?
MAGELA: Estavam, muito.
FLÁVIO: Que tipo de dívidas?
MAGELA: Dívidas trabalhista, dívida fiscal, muitas. Eles passaram um período em que eles tinham até dificuldade de pagar os salários.
FLÁVIO: Pessoal lá tinha carteira assinada?
MAGELA: Tinha, a maioria.
FLÁVIO: E o pessoal, por exemplo, que ia lá pra cima. Tinha banheiro, tinha essas coisas?
MAGELA: Ah, lá em cima tinha. Banheiro arrumadinho, café, pão, levava pra lá pra fazer um lanche, né?!
FLÁVIO: E o estúdio lá, tudo funcionava no estúdio? O auditório funcionava tudo bem, né, Magela?
MAGELA: Tudo funcionava bem. O estúdio, auditório e transmissor, tudo junto. Porque isso economizava, inclusive, as coisas, mas deixava de economizar porque tinha um deslocamento muito longo. Tanto que quando a Globo chegou, que comprou, a primeira coisa que ela fez foi fazer um estúdio cá embaixo. Né? E onde ela está até hoje. Foi a Globo que comprou, a princípio, a primeira emissora. Houve um período em que a Globo pretendia comprar, não quiseram vender e acabou vendendo em condições piores do que a anterior à primeira proposta da Globo.
FLÁVIO: Em que momento ele vende a Rádio Industrial? Ou a Rádio Industrial só vai ser vendida junto com a Globo?
MAGELA: Não, a Rádio Industrial foi vendida depois.
FLÁVIO: E a rádio difusora? Difusora é deles também né?
MAGELA: Era também.
FLÁVIO: E quando que eles venderam a Difusora?
MAGELA: Quase que no mesmo período que foi vendida a TV Industrial.
FLÁVIO: Pra Globo também?
MAGELA: Não, foi pra um outro grupo. Grupo da Rádio Capital.
FLÁVIO: Porque eles me falaram que a Globo até levou a Rádio Difusora junto, mas logo se desfez, né?
MAGELA: Não, ela teve a preferência de adquirir a rádio. Na compra incluía a TV e a rádio. Mas teria que ter um aporte financeiro para ficar definitivamente com a rádio. Eles abriram mão dessa preferência. Que mais tarde foi vendida pra Rádio Capital de São Paulo.
FLÁVIO: E você fez programa na Industrial do início ao fim? Até ela acabar você estava lá?
MAGELA: Depois eu passei pra Capital.
FLÁVIO: Não, mas na TV?
MAGELA: Não, na TV eu fiz até o fim.
FLÁVIO: Quantos anos, Magela, no ar? Quase 20, né?
MAGELA: Ah, foi. 18 anos. O último programa, eu e a Cristina Mendes fizemos a cobertura do carnaval no último ano, quando ela já era da Globo. Começamos às três da tarde e fomos parar as três da manhã. Ela fazendo reportagem, e eu narrando.