MAGELA: Eu conheci o Heleno de Freitas, primeiro de nome. Mais tarde, porque ele jogava no time que eu torço, time do meu coração, que é o Botafogo e o Tupi. Eu conheci o Heleno e não vi jogar a não ser uma única vez em Juiz de Fora contra o Sport. Quando o Botafogo jogou aqui e ganhou de 6 a 2, quando o Heleno jogou. O Heleno eu o conheci pessoalmente, até em momentos difíceis que eu não gostaria de lembrar, mas tenho que lembrar. Eu conheci o Heleno um dia, de nome, quando o vi jogar contra o Sport com a camisa do Botafogo, nem perto dele cheguei… E depois eu o vi na porta do cinema Glória. Tinha um cinema ali na Rua Halfeld que se chamava Cine Glória. Eu passei por ele e depois fiquei de longe admirando, muito bonitão, bem vestido. Ele era um jogador de futebol diferente dos outros porque ele era um homem formado em Direito. Família rica eu conheci muito irmão dele, Doutor Heraldo de Freitas, médico em São João Nepomuceno. E soube que ele era de São João. E eu conheci o Heleno, acompanhei a história do Heleno…
O Heleno jogava no Botafogo e como consequência do problema que ele tinha, problema de saúde, ele tinha um problema de sífilis séria, o Heleno brigava muito em campo, tinha muita discórdia com os jogadores. O Botafogo tinha um ponta chamado Braguinha que jogou aqui no cruzeiro de Belo Horizonte e na Seleção de Juiz de Fora uma partida, que depois foi para o Botafogo. Ele brigava demais com o Braguinha os jogos inteiros, com o Paraguai também que era outro ponta-direita. Porque ele metia a bola na ponta e ia para área para receber, não recebia voltava lá e brigava. E aquilo foi criando um ambiente muito ruim e ele era um cara de muito prestígio. E o Botafogo era dirigido pelo Carlito Rocha e ele chegou à conclusão de que com o Heleno jogando o Botafogo não ia a lugar nenhum. Porque apesar de craque ele era um desagregador. Porque o nível dele era muito acima dos jogadores de futebol! Carro do ano, roupa de marca, bonito, chique, casado com mulher rica, frequentava a alta sociedade! O Carlito Rocha vende o Heleno de Freitas para o Boca Juniors, e acabou que foi atrás do Sílvio Pirilo. O Silvio Pirilo era um centroavante que o Flamengo tinha dispensado porque já estava veterano. O Botafogo recupera o Sylvio Pirillo e ganha o campeonato de 1948, eu já comentei que assisti levado pelo meu tio Dionísio no Rio de Janeiro.
Osvaldo, Gerson e Santos. Rubinho, Ábio e Juvenal. Paraguai, Geninho, Perillo, Otávio e Braguinha.
Quando foi deu problemas em Buenos Aires muito embora no boca ele era ídolo, idolatrado em Buenos Aires. E ele voltou para o Brasil em 49 e foi jogar no Vasco. No Vasco ele foi campeão, mas não chegou a Seleção Brasileira de 50. O técnico da seleção brasileira era o Flávio Costa que brigou com ele em São Januário e saiu até revólver. O Heleno não era de aceitar advertências e ele aquilo mostrava já que o Heleno estava em fase bastante avançada da doença. E aí ele saiu do Vasco foi para o América e saiu correndo pelos interiores… Foi até para o Meridional de Lafaiete. Muito pouco tempo, mas foi. E ele acabou doente. Eu estava em Barbacena no ano de 1957 e um amigo meu diretor do Olympic de Barbacena, 57 eu fui campeão pelo Olympic aqui contra o Tupi, e ele doutor Teobaldo Tolendal diretor do Olympic falou comigo que o Heleno de Freitas estava internado na clínica dele. Eu já sabia que ele estava internado lá, mas ele não recebia visitas, o doutor Teobaldo não deixava ninguém visitá-lo… E ele me pediu para deixar o Heleno treinar no Olympic. Ia ver se tinha tido um avanço no tratamento… Simplesmente eu concordei, falei: Vou deixar. Não tinha nada a ver comigo e nem com o Olympic, mas quem sabe a gente estava ajudando um grande ídolo e um grande homem.
Ele foi treinar comigo no Olympic Coloquei ele no treino e com 10 minutos ele já tinha brigado com todo mundo. Brigou com Gutemberg, brigou com o Branco porque metia bola e ele não devolvia estava já…
FLÁVIO: Fisicamente ele estava…
MAGELA: Estava magro! Emagreceu bastante! Mas aí ele foi embora, e o doutor Teobaldo falava comigo: Magela, vai lá visitar o Heleno. Ele de vez em quando fala de você, não sabe seu nome, mas se refere a você agradecido de deixá-lo treinar lá. Porque quando ele saiu do campo, eu saí com ele fui até o vestiário, fiquei com pena dele. Um ídolo meu, jogou no meu, time naquele estado, coitado… Aí eu fui visitá-lo. Eu perguntei:
– Doutor Teobaldo, o que eu posso levar para ele? Eu levo uma fruta?
– Leva o que você quiser… Leva um maço de cigarro, porque ele fuma demais, ele gosta.
Aí eu levei um pacote de cigarro Hollywood. Cheguei lá, um quarto comprido, ele na cama lá no canto encolhido, lá encoberto… Senhor Teobaldo chamou:
– Heleno, olha quem está aqui?
Ele viu assim, ficou olhando, custou para identificar, eu abracei ele e ele ficou olhando. Uma pena, uma pena… Quem viu aquele moço jogando no campo do Sport, quem viu aquele moço na porta do Cinema Glória com um blazer bonito, vinho, uma gravata linda, o nó bonito… Ver aquele caco de gente… Aí ele levantou eu peguei o embrulho e falei: É um presente para você! O doutor Teobaldo falou:
– Ele está trazendo um presente para você!
Aí ele abriu tirou um maço do pacote, ficou rodando o maço de cigarro, olhou para o doutor Tolendal e falou assim:
– É desse que você tem que me dar!
Porque eles davam a ele cigarro para fumar, mas davam aquele mata rato, barato. Ele ficou toda alegre me abraçou e daí mais um pouquinho ele foi lá para o canto da cama e se encolheu todo. Nunca mais vi o Heleno. Até que um dia um amigo meu chamado Paulo Noronha, meu amigo, companheiro da Avenida Sureiros, investigador de polícia, ligou para minha casa na Avenida Carolina de Assis onde eu morava.
– Geraldo sabe quem chegou aqui no necrotério?
Eu não sabia…
– Heleno de Freitas! Tá um caco, vem aqui para você ver!
Eu não podia ter ido lá, me fez um mal danado…
– Veio aqui para fazer autópsia…
Tava morto, você precisa ver o tamanho, tava pequenininho, magérrimo… Chorei muito!
Eu vou contar um fato que aconteceu com ele que eu vi! O Vasco do Geraldo Gueren, o Vasquinho da Rua Bernardo foi jogar lá em São João e o técnico do Vasco era o sargento que eu comentei agora. E eu fui junto com essa delegação, acho que já contei isso. Nós fomos almoçar no hotelzinho que tinha lá e quem estava no hotel com um blazer cinza bonito? Heleno. Ele ainda não tinha ido para Barbacena, mas já tinha saído do Botafogo e eu fiquei ali admirando Heleno. De repente ele enfia a mão no bolso no bolso de trás, tira um lenço e tirou um vidro que estava no bolso do paletó, jogou um líquido no lenço, começou a cheirar. Caiu numa poltrona! Aquele cheiro forte de éter no ar… Ele já cheirava éter há muito tempo. E aí aconteceu esses fatos que eu vi. Depois até a morte dele que eu vi aqui, ele foi para São João e foi enterrado lá.
FLÁVIO: Já que a gente está falando de jogador, você acha que eram muito comuns essas doenças venéreas? Gonorreia? Sífilis?
MAGELA: Gonorreia aos montes!
FLÁVIO: Tinha tratamento ou não tinha?
MAGELA: Jogador de futebol frequentava muito a zona boêmia! Muito! Nossa Senhora… O Tupi aqui para conseguir que jogador evitasse frequentar zona boêmia em época de jogo concentrava de baixo da arquibancada em Santa Terezinha. Forma de deixar o jogador ali! Eles jantavam lá. Eles iam para lá jantar numa sala onde hoje é o departamento técnico, aí eles passavam um filme ali para o jogador ver…
FLÁVIO: você teve muito problema com atleta?
MAGELA: Não era fácil! Todos eles! Nós tivemos jogador de futebol em Juiz de Fora preso por roubo, pescando linguiça em açougue, eles deixavam a linguiça de pendurada… Na véspera do jogo está preso por causa disso. Muito problema! Outro jogador chega bêbado na hora do jogo e não pode jogar, aconteceu comigo. Eu não vou citar o nome porque eu não quero prejudicar, ele tem filho aí.
FLÁVIO: Magela, e já tinham as Marias chuteira?
MAGELA: Isso sempre teve! Isso era um grande problema para os treinadores. Tinha jogador que nem treinava, ficava de olho na mulher que estava lá fora. Muito seriamente. As coisas mudaram para melhor no futebol nesse aspecto. Agora deram regalia demais, dinheiro de mais, vantagem demais! Porque eu não posso admitir que o jogador hoje ganhe um milhão de reais num país em que 16 milhões de pessoas vivem abaixo da pobreza. Jogador ganhar mais de um milhão por mês é uma afronta e ele não joga nada, ficando andandinho lá na ponta esquerda, no cantinho, toca a bola pra um lado e pro outro e não joga.
FLÁVIO: Então Magela, você conheceu muitos craques, você conheceu o Heleno, mas desses mais famosos você conheceu outro?
MAGELA: No rádio eu conheci João Saldanha, na televisão também João Saldanha, na televisão conheci Luiz Mendes, figuras notáveis conheci vários desses no rádio. Waldir Amaral!
FLÁVIO: Tem algum cara que você fala: Quero ser igual esse cara, esse cara é bom! Um ídolo para você como comentarista?
MAGELA: O ídolo para mim como comentarista foi o João Saldanha! Disparado para mim é o melhor. Hoje eu acho esse José Carlos de Araújo, muito bom porque ele narra o jogo, apesar de muito veloz as vezes ele é mais rápido que o futebol que está sendo jogado. Mas o locutor narrador de futebol ele tem que criar uma imagem que você não está vendo. Televisão não precisa, você está vendo e vai identificando quem tá com a bola. Nem o local é preciso porque você está vendo. Agora o narrador de rádio ele tem que ser Mágico. Um narrador que eu acho muito bom Ivan Costa, acho muito bom narrador, não gosto do Ivan como comentarista. Como comentarista, me desculpe, ele engana. Mas como narrador ele é excelente.
FLÁVIO: E desses nacionais aí? Galvão Bueno. O que você acha desses caras?
MAGELA: Eu não gosto do Galvão Bueno. Eu gosto de um… Como é que ele chama? Ele é da TV a cabo. Eu vou lembrar…
FLÁVIO: E o que mudou no jeito de narrar e comentar desde que você narrou?
MAGELA: O jeito de narrar não mudou! Jorge Cury um grande narrador, Valdir Amaral grande narrador, Doalcey Camargo outro grande narrador. Foram grandes narradores. Agora comentarista, Ary Barroso não foi narrador de nada, horrível! Ele era bom compositor, como narrador ele era horrível. O José Maria Escassa como narrador era horrível, mais ou menos comentarista. Grande narrador foi isso que eu disse: Valdir Amaral, Jorge Cury. João Saldanha foi disparado, anos luz na frente de qualquer outro do que está aí hoje inclusive! Disparado porque que ele foi lá dentro dirigir futebol! Ele sabia os efeitos que uma mudança poderia trazer, isso que o comentarista tem que fazer. Pode até ser forte, mais cáusticos o comentários, mas ele tem que saber. Não entendo o cara que é bonitinho, porque é filho do Zé Mané, porque tem dinheiro vai ser comentarista. Porque comentário é o momento em que o jogo parou e você que está em casa quer saber o que ele fez de errado e o que ele pode fazer para mudar um jogo. Então é muito importante um comentarista.
FLÁVIO: E o Geraldo Magela técnico? Você tinha um esquema que era da sua preferência? Qual seria?
MAGELA: Tinha e tenho até hoje meu esquema! Eu nunca Joguei com cabeça de área, com Brucutu, nunca! Um time meu que foi campeão… Eu citaria um time de várzea, o ABC. Eu não tinha cabeça de área, brucutu… Eu tinha Mário Guido e Norberto tocando a bola. No Tupi eu tinha Mauro e França e todos os dois sabiam sair para jogar e saíam, mas o Eurico que voltava, e mais o Toledo. No Olympic eu tinha Zizinho e Ênio, bola no chão, tocada, arrumada, Tomé que vinha fazer o terceiro. No Tupi de 71, campeão de 71, eu tinha dois jogadores que sabiam chegar na área, finalizar e armar. Que era muito comprido, muito rápido, que era Divino e Osvaldo, nunca usei… O fantasma do Mineirão encantou pelo seguinte, porque nós jogávamos atrás da linha da bola. 9 jogadores atrás da linha da bola, quem tá de frente é que joga porque quem está de frente é que está vendo o jogo. Não se faz mais isso, toca para o lado com medo da jogada, vai para o ladinho ou então lançamento ela cai na cabeça do zagueiro e volta para o contra-ataque. O segredo do futebol é ficar com a bola, por que você tem que ficar com a bola. Com o que você faz gol? É com a bola! Você não faz gol com jogador entrando dentro do gol, não é gol! Gol é quando a bola ultrapassa a sua circunferência de 68 a 71 centímetros os 12 centímetros da linha demarcatória do Gol. Então você tem que ter a bola. Estou com a bola, eu vou fazer o gol porque ela está comigo, eu vou criar condições para que eu possa fazer o gol! O adversário vem e faz a falta, me joga no chão e faz a falta. Com quem fica a bola? Com quem sofreu a falta!
Aí o que faz? Bota uns brucutu, chamado protetor de zaga. Porque não botam protetor de atacante? Aí bota os protetor de zaga fazendo falta… 3 protetores de Zaga, mal e porcamente um armador! Porque o Brasil não tem hoje nem um armador regular a não ser o Ganso, que eu conheço, que eu saiba. Aí põe aquele monte de brucutu, aí não tem jogo. O time de 70 encantou por quê? Porque tinha Clodoaldo que sabia jogar, Gerson que sabia jogar, Rivelino que sabia jogar, Tostão que sabia jogar. Bola tocada! Jogavam atrás da linha da bola, para ver quem está em condições na frente para jogar, para receber a bola. Toca, toca, toca! Aí o Barcelona tocando a bola, mudando de lado da esquerda para direita para desgastar o adversário, e ele está se desgastando.