Magela: Tenho lembranças de 50, de 1950, quando eu ia muito ao Rio de Janeiro. Nessa época eu já estava mais adulto. Eu vi o início da construção do Maracanã, onde era o antigo Derby Club, o governador (prefeito) do Rio de Janeiro era o Mendes de Moraes. Eu acho até que fazem uma injustiça, o Maracanã tinha que chamar Mendes de Moraes. O Maracanã só conseguiu ser construído em dois anos pela influência do Mendes de Moraes junto ao exército brasileiro, que construiu o Maracanã para a Copa de 50. Começou em 48 e terminou em 50. Eu lembro de um jogo entre os operários que construíram o Maracanã, foi uma pelada entre eles, mas o campo ficou entupido de gente, primeira vez que os campos foram abertos e depois na inauguração do Maracanã num jogo Rio – São Paulo. Até Juiz de Fora foi representada, lá na seleção do Rio de Janeiro estava o Aloísio Tavares.
FLÁVIO: Quem é o Aloísio Tavares?
MAGELA: Aloísio Tavares foi jogador do Sport. Eu joguei com ele no juvenil do Sport. E o Sport vendeu o Aloísio pro Flamengo. Ele jogava no Flamengo, era um baita jogador. Não só jogador como um rapaz formidável, um moço bonitão, formou em odontologia. E o Aloísio foi quem deu o passe pro Didi fazer o Gol, e a Seleção Paulista ganhou de 3 a 1. Depois eu vi ainda em 50 a copa do mundo alguns jogos. Eu vi Brasil e Iugoslávia, Brasil ganhou de 2 a 0. Teve um jogador da Iugoslávia que quando subia o Maracanã, aquilo foi muito comentado, ele bateu com a cabeça no túnel e jogou com a cabeça enfaixada… Brasil 2 a 0. Depois eu vi Brasil e Espanha, Brasil ganhou de 6 a 1. A torcida toda cantando Touradas em Madri. “Eu fui às touradas em Madri…” Um show de Bola.
FLÁVIO: E tudo no Maracanã isso daí?
MAGELA: Tudo no Maracanã. Depois eu fui ver a decisão da copa do Mundo em 50. Fui eu e o Beruta, filho da Dona Mariquita, aquela que eu contei que me levava no carnaval. Nós fomos ver o jogo. O Maracanã tava entupido, eu saí daqui numa caminhonete do Celso Borelli Moreira. O Celso Borelli Moreira tinha uma empresa que vendia aparelho de comunicação de rádio e essas coisas, e nós fomos num frio danado. 16 de Junho de 1950, um baita frio. Chegamos lá cedo fomos pra praia do Maracanã, aí o Sol tava quente e eu de blusa de frio, to eu lá no maracanã. Aí cheguei no Maracanã mais ou menos uma hora da tarde, já estava lotado. Na hora do jogo você não tinha como sentar, porque você não tinha como ir no banheiro fazer necessidade, você suja ali mesmo, urinava pernas abaixo. E como você vai sentar se o lugar do assento tava molhado? Nós assistimos o jogo de lado na arqui de tanta gente. Fala-se que tinham umas 200 mil pessoas. O Brasil era dirigido pelo Flávio Costa que era técnico do Vasco. Aquele mesmo Vasco que perdeu do Botafogo de 3 a 1. Ele formou um time, talvez não foi o melhor time que o Brasil tivesse, mas a arrogância derrotou o Brasil, o já ganhou derrotou o Brasil. O Brasil estava concentrado debaixo das arquibancadas do Vasco em São Januário e os políticos todos queriam tirar retrato com os jogadores. “Já é campeão, campeão, campeão. O empate dava o título ao Brasil.
Ele formou um time com: Barbosa, Augusto e Juvenal. Bauer, Danilo e Bigode. Friassa, Zizinho, Ademir, Jair e Chico. Maracanã lotado…
FLÁVIO: Eram todos grandes jogadores, mas qual era a estrela entre os jogadores.
MAGELA: Estrela era o Zizinho, o Ademir que era artilheiro. Zizinho era um Craque. Ademir era um craque, era artilheiro. O Danilo era um craque. O Augusto era um rebatedor, Juvenal era um rebatedor. Nilton Santos ficou de fora!
FLÁVIO: Você acha que foi um erro?
MAGELA: Eu acho que foi. Nilton Santos já tinha brilhado em 47 no Botafogo contra o Vasco. Foi convocado e ficou no banco. Eu lembro que entre os convocados tinha um tal Alfredo II reserva do vasco…
“E o Brasil já ganhou.”
A imprensa também entrou nessa do já ganhou, e que não fosse avisado achava que com qualquer resultado o Brasil era campeão. A euforia era muito grande. O Brasil todo tava preparado pra fazer uma festa. Não sei quantas pessoas teriam morrido se o Brasil tivesse sido campeão não. A empolgação do povo, no Brasil e norte a sul.
E lá estava eu, o Geraldinho Magela pra assistir o jogo.
FLÁVIO: Magela só uma pergunta. Hoje em dia os ingressos para os jogos da copa são muito caros. E naquela época?
MAGELA: Não era caro, o futebol era muito popular, futebol era do grande povão. A massa que comparecia era uma massa trabalhadora, e os ingressos não eram caros. Hoje a Fifa elitizou o futebol de uma tal forma que você jogar o Maracanã no chão pra construir um novo Maracanã pra participar da Copa do Mundo. Quer dizer, futebol não é isso. O Futebol é um espetáculo é claro, assim como é o vôlei que é o segundo esporte em preferência nacional. Mas eu acho que elitizou demais.
Não só elitizou como criou uma casta de milionários do futebol. Enquanto o Brasil tem 16 milhões de pessoas quase na linha da pobreza, tem jogador que veio de uma massa pobre ganhando um milhão e meio de salário, não precisa jogar futebol não, o mês que trabalhar e receber tá pago o ano inteiro, ou para os anos todos… E era assim.
Você quer saber uma coisa? O futebol era tão popular que o jogador preferia um emprego. Juiz de Fora, por exemplo, teve dois jogadores que vieram trabalhar em Juiz de Fora porque arranjaram um emprego. O Tirulito que jogou no Vasco, veio para Juiz de Fora para jogar na FEA. A Troco de um emprego na FEA, que era a Fábrica de Estojos e Espoletas e hoje é Imbel.
FLÁVIO: Mas você acha que ele veio por causa do Emprego ou pra Jogar?
MAGELA: Ele veio para jogar por causa do emprego. O Tupi trouxe o Cotoco através do Gabriel Gonçalves da Silva, que foi um grande desportista de Juiz de Foram o Bié. E o Cotoco deixou o Vasco pra vir pro Tupi porque tinha um emprego garantido na Rede Ferroviária Federal. Então não eram esses salários que tem hoje, essa elite que foi criada. Porque não são todos no Brasil que ganham isso não. Hoje tem jogador jogando na segunda divisão, e tem alguns na primeira divisão de alguns campeonatos regionais que ganham salário mínimo.
Mas voltando à Copa do Mundo…
FLÁVIO: Mas aí era Brasil e Iugoslávia, mas além do Brasil tinha torcida do outro time?
MAGELA: Eu só via Brasil, se tivesse era muito pouco. Com Uruguai não, Uruguai já tinha um grupo, porque é pertinho, é quase Brasil. É um país de pouco menos de 4 milhões de população… Vinham alguns.
E o Brasil vai jogar com o Uruguai, o Maracanã lotado, uma coisa linda. Eu vivi os melhores momentos do futebol brasileiro. Daqui a pouco eu falo momento atual, porque não tem mais treinador…
Vem o jogo, Brasil de camisa branca, Uruguai de camisa azul celeste. Time bom arrumado, Maspoli um grande goleiro.
FLÁVIO: Quais eram as estrelas do time do Uruguai?
MAGELA: Maspoli o grande goleiro! Rodrigues um grande Lateral, O Ghiggia que foi o autor gol da vitória, o Schiafino que era um grande centroavante… O Time do Uruguai era bom, arrumado; Mas não era time pra ganhar do Brasil. O Brasil entra em campo num delírio, tinha gente que tava quase desmaiando, não só de fome porque chegou lá cedo e não tinha o que comer nem como sair porque não ia encontrar mais lugar pra assistir o jogo; e de êxtase. “O Brasil pode empatar o jogo de zero a zera e ser campeão”. A festa tava formada. Os políticos estavam com o prato cheio pra fazer as mentiras deles, porque em sua maioria são mentirosos.
FLÁVIO: Quem era prefeito? Quem era presidente? Quem eram os políticos da época? Porque a capital era o Rio de Janeiro.
MAGELA: Acho que era Getúlio, não tenho certeza. Eu fiquei tão atrelado ao futebol que eu não me recordo. Eu lembro que o Mendes Moraes era o prefeito do Rio de Janeiro e ele foi que terminou com vontade e com decisão… Mendes Moraes serviu em Juiz de Fora como comandante e na época que eu servi em Juiz de Fora, servi com ele antes dele ir pro Rio de Janeiro e ser prefeito do Rio.
O Brasil entra em campo bonito. O Uruguai entra campo humilde, fizeram até fila indiana. O Brasil começa o jogo tocando bola pra caramba. Zizinho um baita jogador, Ademir um baita Jogador, Bauer, Danilo… Aquele time bonito. Tinha uns cabeças de bagre como Augusto, como Juvenal, como Bigode, mas tinha craque.
Aí o Brasil mete 1 a 0. É campeão né? 0 a 0 já era campeão.
FLÁVIO: Quem fez o gol do Brasil?
MAGELA: Ademir! Aí o Uruguai empata algum tempo depois. Aquela euforia o torcedor já murchou um pouquinho. Mas ainda é campeão né? 1 a 1!
FLÁVIO: No primeiro tempo?
MAGELA: Aí o Brasil toma o segundo gol no segundo tempo. Schiaffino domina uma bola no meio do campo, passa pelo Danilo, caminha em direção ao Bigode que foi voltando, quando o Bigode saiu ele tocou a bola no Ghiggia que entrava em diagonal, ele chutou cruzado e a bola passou entre a trave e o Barbosa.
O Barbosa foi o único brasileiro condenado eternamente sem direito a defesa. Ele por causa daquele gol, que eu não sei se foi tão culpado assim, foi execrado. Alguém tinha que pagar o Pato. Ele nunca mais conseguiu chegar em um lugar sem que falassem: Ele foi aquele goleiro que tomou o gol e entregou a copa do mundo no Brasil. Aí que eu digo: Uma condenação eterna da qual ele não teve saída.
Então eu assisti esse jogo, vibrando com esse jogo.
FLÁVIO: Mas e aí? Como é que você saiu desse jogo? Você devia estar muito mal. E o pessoal? Xingava? Chorava?
MAGELA: Chorava! Socava onde hoje é a estátua do Bellini, que naquele tempo não tinha não era chamado de estátua do Belline. Pessoal dando soco na parede…
FLÁVIO: Teve Briga?
MAGELA: Não! Não tinha tempo de brigar, tinha tempo de chorar, tinha tempo de lamentar. Aquela multidão descendo aquela rampa como um boi que ia para o corte, de cabeça erguida, de cabeça é arriada olhando para o chão, revoltado porque o Brasil perdeu um título. Porque Brasil não tinha nunca ganhou uma copa do mundo. E agora? Por que que o Brasil sediou a Copa do Mundo? Porque os países europeus estavam em guerra, tinham saído de uma guerra e nenhum deles tinham condições de patrocinar uma copa. Foi por isso que o Brasil patrocinou a copa de 50.
Aí acabou… Foi Aquela tristeza, parecia que o mundo veio abaixo. A volta para Juiz de Fora foi uma tortura.
FLÁVIO: Você voltou como?
MAGELA: Voltei numa caminhonete do Celso Borelli. E aquilo… Quando falo sobre isso até hoje eu ainda sinto… Parece que ficou ainda algum… Dentro do meu peito parece que ainda ficou algum resquício daquele sentimento negativo daquela derrota.
FLÁVIO: Em 50 você tinha quantos, Magela?
MAGELA: Eu nasci em 27. Eu tinha 23 para 24 anos. Já era apaixonado no futebol, já tinha jogado no juvenil do Sport.