MAGELA: Eu fui um dos que ajudou a eleição dele. O Kalil Rad me chamou e eu já conhecia o Itamar, porque eu sempre acompanhei muitos os esportes, e o Itamar jogava basquete no Sport Clube Juiz de Fora. E eu acompanhava muito.
FLÁVIO: E que impressão você tinha dele?
MAGELA: Eu já tinha acompanhado, inclusive, o Itamar quando ele foi candidato a vice-prefeito e perdeu.
FLÁVIO: Na chapa de quem?
MAGELA: Chapa do Nicolau Schuery. Ele perdeu. No PTB. Isso antes que o PTB tivesse sido extinto. Eu acompanhava política, estava convivendo, mas não tinha aquela atividade assim de comando até… De ser ouvido, de dar opinião. Já lidava com Itamar através da minha militância no PTB, e ele também candidato no PTB, com o Nicolau Schuery, candidato a prefeito e ele vice-prefeito.
FLÁVIO: Mas eles não foram eleitos, né?
MAGELA: Não, perderam a eleição. Não se elegeram. Até que em 1966, já existindo ARENA e MDB. ARENA 1, 2 e 3, MDB 1, 2 e 3. O MDB 1 lançou o Dr. Wandenkolk Moreira para candidato a prefeito de Juiz de Fora, na sucessão do Ademar Andrade.
MAGELA: Quando foi 66, já com ARENA mandando e com o MDB servindo de escada pra muita gente, o Kalil Rad me procurou.
FLÁVIO: Quem era o Kalil Rad, na época?
MAGELA: Kalil Rad era um industrial em Juiz de Fora. Um grande amigo meu, pessoa fantástica, padrinho do meu filho Paulo Roberto. Aí eu fui chamado pelo Kalil pra ajudar a campanha do MDB 2, que pretendia lançar um candidato. Porque você tinha que lançar os três. Na soma dos três, o mais votado da eleição era o prefeito. Você entendeu? Você soma 1, 2 e 3. MDB 1, MDB 2… O 2 era o mais votado do que, inclusive, os três da ARENA, aquele era o prefeito. E foi quando o MDB lançou, com muita dificuldade, o Itamar Franco. Nessa altura, eu já estava influindo e participando das reuniões para indicação do Itamar Franco.
FLÁVIO: Ele era um cara legal?
MAGELA: Itamar era. Sempre foi assim. Ele era meio introvertido. O Itamar não era muito de se exibir. Era um rapaz bonito, elegante, desportista, foi presidente da Liga Juizforana de Basquetebol. E ele foi candidato, duas vezes, a prefeito e a vice-prefeito. E que era o nome do MDB para disputar a eleição com o Wandenkolk Moreira, que era um nome forte. E o Wandenkolk já estava em campanha. Wandenkolk era eleito. Estava eleito. O Wandenkolk nem queria que o MDB lançasse o segundo, tal a vantagem que ele estava tendo até então. Mas vai lançar reunião do MDB 2, “Vamos lançar o Itamar”. “Quem vai ser o candidato a vice?” Ninguém queria. Até o meu nome foi cogitado.
Aí, quem foi indicado? General Oscar Silva. Por quê? Primeiro porque ele era filiado ao MDB, segundo porque ele era contrário à revolução e terceiro porque ele era um homem das Forças Armadas, e a gente tinha pelo menos um guarda-chuvazinho pra você fugir do temporal.
Aí vem a eleição. Vem a campanha. Campanha dura. Até que um dia, no começo da campanha, nós marcamos uma reunião com o padre na Igreja de São Benedito. E depois ia fazer uma visita lá naquela comunidade, que na época chamava Arado. E marcamos um encontro do grupo, onde hoje é o prédio na Rio Branco, onde funciona… Aquele prédio ali, que o Itamar ajudou a construir. Solar do Progresso. Ali estava, inclusive, começando. O Itamar era o engenheiro daquela obra. Então, marcou ali. Marcou pras duas horas. Duas, três, três e meia, Itamar não chegou. E nós ficamos ali preocupados, porque o Itamar não chega. Tem um compromisso lá na Vila São Benedito. “Nós entramos tarde na campanha, a cidade é muito grande, nós temos que correr atrás”. Aí, quando o Itamar chegou, cabeça baixa, circunspecto. “O que que houve Itamar?” O Kalil foi… O Kalil era meio brutão, meio ignorante, mas um coração de ouro. “O que que houve Itamar?” Aí o Itamar balançou a cabeça e disse: “Não vou ser candidato mas não”. “Ué? Por que que você não vai ser candidato? Que isso!” “Não… Encontrei com o Eider Santos, agora ali, ficou conversando comigo, por isso que eu atrasei. E o Eider Santos falou que eu não vou ter nem um voto, é só o meu”. Você sabe quem era Eider Santos? Um jogador. Era dono de uma casa de foto na Rua Batista de Oliveira. E ele jogava basquete muito bem. E era colega, também, do Itamar do basquete. Nós falamos com ele: “Quer dizer que nem o Eider Santos vai votar em você, que é seu amigo?” O certo é que ele levou uma esculhambação danada, e botamos ele no carro e fomos pra Vila São Benedito. Chegou lá na Vila São Benedito, foi uma consagração. Na igreja, foi falar com o padre. A igreja estava lotada, talvez tivesse até mais gente se tivesse chegado na hora. Aí visitamos as casas, foi muito bom. E aí, o Itamar começou campanha. Vamos aqui, vamos ali. Até que surge o tal sermão da montanha.
O Geraldo Mendes, que foi um grande baluarte desta campanha. Eu estou contando aqui que é pra história não desmerecer um fato real. O Geraldo Mendes, que foi um grande baluarte desta campanha. Porque o Dr. Sérgio, pai do Geraldo e do Gudesteu… O Gudesteu e o Dr. Sérgio ficaram com o Vandenkolk. Jogada de político. E o Geraldo ficou com o Itamar. E o Geraldo trabalhou muito. Nessa altura, já tinha a TV Industrial. E a TV Industrial era novidade em Juiz de Fora. TV ao vivo, geradora. “Vamos fazer um comício lá no Morro do Cristo”. Transmitido ao vivo pela TV Industrial. Choveu que foi uma loucura. Muito pouca gente subiu o morro. Porque naquele tempo não era calçado o Morro do Imperador não, aquilo era barro. Chovia, dava barro. Muitas vezes, eu fiz programa com os pés sujos de de barro. Não aparecia o pé na televisão, aparecia só o rosto. Como é que foi feito o comício? As poucas pessoas que lá em cima estavam, ficaram do lado de fora com o guarda-chuva aberto. O Itamar foi colocado… Foi feito um praticável pro Itamar subir, pra ele ficar mais alto. E, ali, os oradores foram se sucedendo. Até que no final falou o Itamar. Pra parecer que tinha muita gente, lá dentro do estúdio, foi colocado um microfone girafa. Sabe o microfone girafa? Com aquele cabo. E nós fomos lá pra dentro e ficamos ouvindo o discurso e daí… “Já ganhou, já ganhou, já…” Tinha-se a impressão de que tinha muita gente. A câmera varria em cima dos guarda-chuvas. Tinha impressão de que estava lotado o Morro do Cristo. E o Zé Carlos de Lery Guimarães, outra figura fantástica que Juiz de Fora deve muito, como deve ao Wilson Cid também, um baita de um jornalista. O Zé Carlos fez um discurso, no encerramento, depois do Itamar, de botar lágrimas nos olhos das pessoas. Quando nós chegamos cá embaixo, surgiu de lá Sermão da Montanha. E ficou Sermão da Montanha. Muita gente comentando. E aquilo teve uma baita de uma repercussão.
E o Itamar já estava crescendo nas pesquisas. Mas nós não tínhamos pesquisa não. Nós num tínhamos dinheiro pra campanha, como é que ia ter pra pesquisa. Nós é que falávamos: “O Itamar tá crescendo”. Um falava com o outro, o outro com outro, quando chegava nos bairros: “O Itamar tá crescendo”. E tá crescendo, e tá crescendo… E quando foi depois daquele comício a coisa foi fantástica.
E ele acabou ganhando do Wandenkolk. E ali, o Itamar se projetou pra política, onde chegou a presidente da república.
O Itamar foi um prefeito que trabalhou muito mais debaixo da terra. Juiz de Fora tinha necessidade de resolver aquele problema de enchente na parte baixa. Praça da Estação, parte baixa da Marechal, parte baixa da Rua Halfeld. Aquilo tudo ali, muito próximo do Rio Paraibuna. O rio subia um pouquinho aquilo enchia. Os comerciantes daquela parte baixa, que era a parte de maior frequência de Juiz de Fora. Ali é que se vendia tuda. Estava sempre fazendo salvar do incêndio. E o Itamar fez ali um trabalho espetacular. Porque ele é engenheiro. Foi um belo prefeito, fez ali um grande trabalho. O Itamar, também, foi quem acabou a Garganta do Dilermando. A Garganta do Dilermando foi iniciada pelo Adhemar Rezende de Andrade.
Juiz de Fora tinha necessidade de um prefeito que cuidasse, também, disso. O Itamar foi quem resolveu o problema, que acabou com os bondes. 1969 foi o último ano que Juiz de Fora teve bondes. A Avenida Rio Branco, um metro, ou um metro e meio depois do passeio, tinha árvores plantadas ao longo dela toda. Eram árvores de uma fruta marrom, muito gostosa por sinal, mas quem passasse ali e caísse na roupa, sujava. E o Itamar tirou aquelas árvores de jalão, tirou os bondes, e avenida ficou bonita, ficou ampla.
Eu não devo nenhum favor ao Seu Itamar Franco. Não devo um copo d’água ao Seu Itamar Franco. Ajudei ele na campanha por acreditar que Juiz de Fora pudesse ter um prefeito que fosse revolucionar essa cidade. Modernizar essa cidade. Viajei com ele o estado de Minas para senado acreditando que ele pudesse ser um grande senador e que Minas Gerais não ia ficar só com os buracos dos minérios. Nunca, nunca, ele me deu nada. Nunca lhe cobrei. Larguei meus afazeres todos. Eu tinha uma loja na Marechal Deodoro, chamava Credimalhas… Depois de eleito, ele foi chamado pra ser paraninfo em várias cidades do Vale do Aço e eu fui com ele. Fiquei… Ficamos 20 dias. Ele chegou na véspera do natal, sete horas da noite, lá estava minha esposa Neli, minha filha Vânia, meus filhos Vanilce, Paulo, cuidando da loja. Porque naquela época, véspera do natal você ia até a meia-noite. Porque as pessoas não faziam as compras antecipadas como fazem hoje. Nada lhe cobrei.
Eu fui nomeado no segundo governo dele, pelo Dr. Saulo Pinto Moreira. Fui diretor de esportes da Diretoria Municipal de Esporte da Prefeitura, cuja sede era na Marechal Deodoro, logo após a R. Santo Antônio, do lado direito de quem sobe.
Nem o Geraldo Mendes, que foi um grande articulador campanha dele, um grande incentivador, que, inclusive, colocou a rádio toda a disposição dele e a televisão, não foi pra prefeitura. Mais tarde é que ele foi, por pressão do grupo que o apoiou. Ele foi presidente da república, nunca me convidou pra ir a Brasília! Podia dizer: “Geraldo, vem aqui conhecer…”
FLÁVIO: Conhecer…
MAGELA: “Vem conhecer isso aqui”, nunca! Ele foi governador, nunca me convidou pra ir ao Palácio. Mas o meu interesse não era ganhar dinheiro com a política, como nunca ganhei dinheiro com a política.
Quando terminou o mandato do Itamar, o Itamar queria fazer o sucessor. E o mais indicado era o engenheiro, que com ele formou, que com ele estudou, e que havia ajudado no governo dele, na campanha dele. Inclusive com recursos financeiros, que era o Agostinho Pestana, que na época era dono da RS Móveis, uma baita empresa, que tinha fábrica lá no Poço Rico. Então Agostinho vai ser o candidato sucessor. O slogan da campanha era: “As obras não podem parar”. Porque tinha muitas obras do Itamar e queria que alguém… O sucessor. E trabalhamos muito. Aí, também, voltei a trabalhar com Agostinho Pestana. Muito. Trabalhei muito. Também dele nada cobrei, e nada me foi dado. O Agostinho Pestana teve um mandato de dois anos. Dois anos. O Agostinho terminou o mandato, volta o Itamar. Foi uma campanha dura. Muito difícil. Nessa altura, o Doutor Wandenkolk Moreira, que foi adversário do Itamar na primeira campanha, estava apoiando o Itamar. Nessa altura, o Roberto Medeiros Ribeiro, o Dr. Roberto Medeiros, grande poeta, grande figura humana, fantástica figura, grande compositor, produtor de enredos carnavalescos, autor de um enredo lindo da Juventude Imperial: Zumbi, Rei Negro dos Palmares. Estavam já com Itamar Franco. E o Mello Reis era o candidato da ARENA, com um mundo de dinheiro na campanha. Inclusive, veio até presidente da república aqui anunciando que ia ter emprego pra Deus e todo mundo. O Itamar disputa com o Mello. Duro. Essa campanha deve-se muito ao Wandenkolk. Wandenkolk me procurou e falou: “Geraldinho, ou o Itamar sai pra rua ou está perdida essa eleição”. Por que “sai pra rua”? Porque o Zé Carlos Lery Guimarães havia dito que o Itamar era um mito, e que esse mito tinha que ser preservado, e que não devia estar se expondo nas ruazinhas pra ser… Estar apertando mão de um e outro. Nós fizemos uma reunião no diretório, no comitê, lá em cima na Rio Branco, perto de onde é o HPS hoje e decidiu que o Itamar vai pra rua. Vai pra rua. No outro dia fui eu e o Wandenkolk Moreira na casa do Itamar tirar ele de manhã. Oito horas da manhã fomos pra Benfica. Visitamos Benfica de cabo a rabo, de cima a baixo. Na hora do almoço, “Agora, eu vou embora”. “Itamar, não, vamos almoçar aqui”. Fomos almoçar num barzinho lá, e vão bora. Sobe morro, desce morro, sobe morro, desce morro. E o Itamar reclamando, mas estamos subindo… Reclamando. “Vamos voltar aqui amanhã, isso aqui é uma cidade”. E lá batemos outra vez, foi dois dias ali em cima, em cima… De casa em casa. E aí fomos em cima na campanha, trabalhando, trabalhando, trabalhando, trabalhando, trabalhando. Itamar ganhou com trezentos e poucos votos de frente. Aquilo magoou o Itamar. O Itamar tinha uma frustração… Porque assim como o Zé Carlos disse que ele era um mito e o mito tinha que ser preservado, ele também achava que o povo ia votar nele pela primeira administração. E que ele ia ganhar dormindo dentro de casa.
Depois veio a eleição pra senador. O MDB faz uma reunião e convida o grupo de Juiz de Fora pra ir à reunião em Belo Horizonte. E lá, ninguém acreditava que a ARENA perdesse. O candidato da ARENA era o Zé Augusto, oriundo do antigo PSD. O Tancredo não quis ser candidato a senador. Renato Azeredo não quis. Jorge queria ser deputado, tinha uma eleição garantida, como de fato se elegeu. “Vai ser o prefeito de Juiz de Fora”. Porque quando eles convidaram a cúpula do MDB em Juiz de Fora pra ir lá, já tinha essa ideia de jogar o Itamar. Itamar. Itamar, Itamar, Itamar. O Itamar veio pra Juiz de Fora com aquela minhoca na cabeça: “como é que eu vou renunciar, traindo o povo que me elegeu pra quatro anos?” E foi uma luta. Sabe o que que aconteceu? O relógio da prefeitura foi atrasado. Porque senão, ele teria renunciado depois da meia-noite, e o prazo já tinha esgotado de renúncia. Assumiu uma figura maravilhosa de homem sério, de homem de bem, que o Itamar também era. Mas, corretíssimo, faço questão de falar isso toda vida. Dr. Saulo Pinto Moreira, que era o vice dele. Saulo assumiu. Itamar foi pra luta. Uma das primeiras coisas que o Saulo fez foi me nomear, nomeou a mim. Me chamou na prefeitura e disse: “Vou reparar uma injustiça. Quero que você vá para a Diretoria Municipal de Esporte e Recreação”.
FLÁVIO: Dava pra trabalhar? Tinha dinheiro? Porque precisava de dinheiro, não é?
MAGELA: É, mas ele me apoiou. Eu fiz alguns campos na várzea, de varzeanos. Nessa ocasião eu tive oportunidade, também, de conseguir a troca dos terrenos do Acadêmicos, que era na… Ele tinha um terreno num buraco aqui.. no Terreirão do Samba. Por um terreno aqui no Bairu, pro Acadêmicos num morrer. E tem o Acadêmicos aqui no Bairu até hoje. Consegui com o Doutor Saulo Moreira. E realizei algumas… Dois anos seguidos, recuperamos o que já tinha sido abandonado. Os jogos intercolegiais, muito bom.
FLÁVIO: É do município, né? Entre as escolas.
MAGELA: Municipal. É, tá. Fizemos e foi muito bom. E depois eu tive que me licenciar, porque eu fui participar da campanha do Itamar. Mas, antes, eu me orgulho muito de ter feito, na na diretoria de esportes, um dos mais rigorosos e competentes curso de árbitros que já se fez em Juiz de Fora. Com apoio do Conselho Nacional de Esportes, Federação Mineira de Futebol, Liga de Futebol de Juiz de Fora, Prefeitura e Confederação Brasileira de Futebol. Aqui veio Arnaldo César Coelho, aqui veio… Vieram vários árbitros de peso pra dar essas aulas. Eles foram no campo. Fantástico.
FLÁVIO: E como é que foi fazer essa campanha, Magela? Foi trabalhoso?
MAGELA: Foi cansativo. Foi cansativo porque era uma campanha, também, sem dinheiro. Também com dificuldade de captação de recursos.
FLÁVIO: O Itamar não botava nenhum dinheiro do próprio bolso?
MAGELA: Não, pôs. Ajudou. O Itamar nunca foi um homem rico. Itamar sempre foi um pobre. Um pouquinho que ele tinha, ele punha e ajudava.
FLÁVIO: Mas nessa época ele já era casado com a Ana Elisa, era uma mulher rica, né?
MAGELA: Mas ele não aceitava um centavo da família Surerus. Ele não aceitava um centavo da família Surerus, porque ele não queria ser dependente, ele sempre foi muito orgulhoso. Mas, vamos trabalhando, vamos viajando, vai pra aqui, vai pra ali… Até que o Itamar tinha que atingir alguns locais do estado de Minas em que a TV Industrial não chegava. Tem que ir no Rio de Janeiro ver se o presidente do MDB deixa o Itamar participar de um programa do MDB na TV Globo, no pool de emissoras do Rio. Fui eu pro Rio de Janeiro conversar com Ecil Batista, que era o presidente do MDB. E o Ecil Batista concordou. O Itamar foi, fez o programa, ficou conhecido no estado inteiro. Mas tinha outros locais que o Itamar não chegava. Sul de Minas. Ninguém sabia quem era o candidato de Minas. Achava que era o Orestes Quércia, que era senador por São Paulo, candidato a senador por São Paulo. Roberto Medeiros me chamou, já estava com a campanha do Itamar. Ele falou: “Geraldo, temos uma outra missão pra você”. “O que que foi?” “Nós queremos que você vá a São Paulo conversar com a direção do MDB de São Paulo, pra que o Itamar possa participar do programa do MDB. Pode ser ao lado do Orestes Quércia, ao lado do Franco Montoro, ao lado do Ulisses Guimarães… Mas desde que ele apareça no programa em São Paulo”. Vou eu pra São Paulo. Chegando em São Paulo, não conhecia São Paulo, não conhecia Orestes Quércia, não conhecia Ulisses Guimarães, eu não conhecia Franco Montoro… Vou na sede do diretório. Cheguei no diretório, cheguei lá de manhã, mais ou menos umas sete e meia da manhã em São Paulo. Não tinha ninguém. Nove e meia, dez horas, começou a chegar um, chega outro…
Chegou o Ulysses Guimarães com a comitiva dele. Eu me apresentei ao Ulysses Guimarães. Falei com ele do propósito do Itamar Franco, candidato ao senado por Minas Gerais, mas que não conseguia chegar no sul de Minas Gerais. E que nós gostaríamos que no programa de domingo, o pool de emissoras que nos domingos transmitia. Que o Itamar, se ele conseguia que o Itamar aparecesse um pouquinho, para o sul de Minas conhecer. Educadíssimo: “Não, tudo é o MDB no Brasil. Vamos conversar com o Orestes”. Aí ligou, “Orestes”. “É bom você vir aqui logo, às 7 horas da noite. Você chega – “, aí ele falou comigo, “Chega às 6 e meia porque às 7 horas o Orestes está aqui, e nós vamos pra um comício”. Ele tinha um comício lá no Tatuapé. E nós conversamos com ele. Porque dependia do Orestes Quércia, permitir que aparecesse um estranho… Porque não era tão estranho, né? Porque era candidato do próprio partido, só que em estado diferente. Permitisse que esse estranho aparecesse ao lado dele. Aí ele, tudo bem. Saí, fiquei rodando por São Paulo o dia inteiro. Fui lá pra uma pensão, a mais barata possível. Nem lembro agora como é que chamava a pensão. Porque não levei, quase, dinheiro pra pagar a despesa. Quando foi seis horas, cheguei lá. O Ulisses já estava. Aí ele falou pra mim: “Você é mineiro, hein. Falei com você seis e meia, você já tá aqui.” Falei: “É, não tenho aonde ir”. Quando foi quase 7 horas o Orestes chegou, o Orestes Quércia. O Franco Montoro ainda não tinha chegado. Eram os homens que mandavam no MDB naquela época, em São Paulo. E a nível de Brasil também. Aí ele entrou lá pra sala de reuniões e conversou sobre o assunto. Ficou combinado que nós íamos falar com o Franco Montoro. Mas o Franco Montoro estava resfriado. Mas o Ulisses Guimarães ligou pra ele, perto de mim. Aí ele pediu que eu fosse na casa dele. Eles me deram o endereço. No outro dia eu fui na casa do Franco Montoro. Aí ele concordou. De lá ele ligou pro Orestes Quércia. O Orestes Quércia também concordou e ficou resolvido que o Itamar iria no programa do MDB pro senado no domingo.
Ficou-se esperando o Orestes Quércia até na hora de começar o programa. O Orestes não chegou. Ele estava em Presidente Prudente, lá no norte de São Paulo, divisa com Mato Grosso, e não tinha avião. Não deu teto. Aí no programa apareceu. Itamar no meio, Orestes Quércia de um lado, Franco Montoro do outro.
FLÁVIO: Foi bacana, hein?
MAGELA: Não, explodiu. Quando chegamos no hotel, notícia lá: “Itamar, já ligaram umas dez vezes de Belo Horizonte”. “Quem ligou?” Franco… “Quem ligou”? “Jorge Ferraz, é… Renato Azeredo, Tancredo Neves”… “É mas o que que esse pessoal quer comigo”? E nós ainda tínhamos que ir a Uberlândia, a Araguari, a Ituiutaba e a Araguari. Isso em três dias.
FLÁVIO: De carro?
MAGELA: De carro. Aí o Itamar… Quando ia ligar pra Belo Horizonte, telefone tocou, eram eles chamando o Itamar. “Você tem que voltar urgente. Porque o Zé Augusto está colocando aqui na televisão que você não aceitou o desafio”. O slogan do Itamar na campanha era “Aceite o desafio”. Aquele cartaz que eu tirei, tem “Aceite o desafio”. E ficou o que? O Itamar vai abandonar o Triângulo Mineiro? Vai pra Belo Horizonte pra aceitar o desafio?
FLÁVIO: E essa pessoa que você falou, era um programa de rádio ou de televisão? Essa pessoa que fez essa crítica ao Itamar.
MAGELA: Zé Augusto?
FLÁVIO: É.
MAGELA: Na televisão e no rádio. Toda hora.
FLÁVIO: E que televisão? Itacolomi?
MAGELA: Itacolomi. Itacolomi pegava em Minas Gerais quase todo. E o Itamar decidiu… Aí conversou comigo e com o Marcílio, o que é que nós achávamos. Não tinha solução, né? Você vai pra brigar ou você vai pra conquistar? É difícil. E o Zé Augusto estava deitando e rolando. Lá pelas tantas, falei com o Itamar: “Itamar, você falou com a gente que eles estão falando que nós estamos perdendo a eleição. Se você não for, você perde a eleição. Vamos invadir o campo?” Ideia minha. Isso eu não abro mão. “Vamos invadir o campo”. “Invadir como”? Quando ele falar que a cadeira está vazia… Porque o Zé Augusto mostrava na televisão: “Ele não quer o desafio. A cadeira está vazia”. Aí aquele zoom mostrava a cadeira indo.
Estava no fim da campanha. Aí, falei com o Itamar, chamei: “Você está disposto a assumir”? O Marcílio chegou e falou assim: “Ele não vai entrar em programa nenhum”. Aí o Itamar falou assim: “Tá decidido, eu vou entrar”. E fez assim, ó, “Cala boca”, como quem diz: “não fala nada”. E ficaram discutindo isso até cinco horas da tarde. Quando foi chegando a hora do programa, fomos pra TV. Itamar, Zé Paulo Neto, a esposa dele… Zé Paulo Neto está vivo, pode confirmar isso. O que eu estou aqui contando, não estou contando lorota, não estou contando mentira, não estou contando vantagem. Não foi vantagem nenhuma, eu estava lá pra isso. Se eu não fizesse assim, eu não estava justificando a minha presença junto deles pra ajudar. E não estava ganhando nada. Aí,”Vamos pra lá”. A TV Itacolomi tinha um beco, assim, cumprido! Lá no fundo tinha uma sala… Três salas, assim. E nós chegamos. E o Itamar… Aí um pessoal lá da TV falou assim: “O senhor pode ficar aqui”, e mostraram onde é que o Itamar ia ficar, aguardando a hora dele entrar no programa. Que não era dia do Itamar. E tinha uma pessoa batendo máquina com um papel lá, olhando e batendo. E vendo televisão. Eu cheguei naquela outra sala e perguntei àquela pessoa “Eu posso ver o programa daqui”? Ele falou: “Pode”. Ele levantou, tirou o que ele estava batendo na máquina e deixou a cópia com o papel de seda. Essa cópia, eu tinha ela, eu dei pro Itamar algum tempo depois. Era a cópia do que ele ia ler, porque o Zé Augusto não estava no programa. Se o Itamar chegasse, não tinha debate. Se ele aceitasse o desafio, ele ia ficar sozinho. Peguei aquilo, fui lá correndo mostrar o Itamar. “Itamar, é aqui que você vai entrar. É aqui que você vai entrar”. Itamar pegou, olhou, leu, leu… Estava nervoso. Tremia. Não era pra menos. “Vai começar o programa”, anunciou, entrou o slide do TRE. Aí nós saímos da sala, eu, Itamar… Quando eu falo “eu”, não falo na primeira pessoa não. Estou contando um fato histórico. Quando eu, Itamar, Zé Paulo Neto fomos juntos. Aí o Itamar ficou… O locutor ficou de frente pra ele. Não viu ele, porque tinha uma luz em cima do texto que ele ia ler. Então ele estava… Ele não via quem estava na frente, porque a luz embaçava as vistas dele pra enxergar quem estava atrás. E o Itamar ficou em pé ali, ficou eu, Itamar, e o Zé Paulo Neto, e a esposa dele. Nisso, o Itamar quis entrar, eu puxei o braço dele, porque não era a hora. Quando ele entrou em cima do texto… Porque o Itamar… “A cadeira está vazia, Itamar não aceitou o desafio”. O Itamar entrou. Como daqui ali. E tomou posição de frente. “Você fica de frente pra câmera, não fica de costas”. Itamar ficou do lado do locutor. “A cadeira não está vazia não, estou aqui.” Você imagina… O locutor disse assim, já ofegante: “O senhor é muito inteligente. É porque o senhor sabia que o senador não estava aqui”. Porque o Zé Augusto estava disputando reeleição. “O senador não estava aqui, por isso que o senhor veio”. Itamar disse assim: “Quem desafia tem que esperar o desafiado”. E eu fiquei atrás do câmera e falando… Porque eu estava com experiência de TV. Eu estava vindo da TV Industrial. Ajudando a produzir, ajudando com… “Zoom no Itamar. Só Itamar. Pega os dois”. Eu puxava o fone do ouvido, o câmera achava que era alguém da televisão. Botou, encheu a câmera de Itamar. Botou os dois, cortou… Daí um pouquinho, corta o programa. Entra o slide do TRE. Pegamos o Itamar e levamos ele de volta pra sala em que eles… Levamos na rua. Fui eu, o João, o Zé Paulo, levamos de volta. Nisso vem a notícia: “o Zé Augusto vem aí”. E vinha mesmo. Aquele corredor cumprido, vinha o Zé Augusto batendo nas parede, dando tapa de um lado e do outro, e xingando palavrões. “Cadê ele, cadê ele…” Entra no estúdio… O estúdio estava todo cheio de madeira, de cenários aqui. Só tinha aquele lugarzinho ali. Até que ele pegou um pedaço de pau… Saiu dando paulada dentro do estúdio, e a Revista Veja… Quem quiser confirmar isso pega uma edição antiga da Revista Veja, que deve estar nos arquivos da Revista, que tem lá.
FLÁVIO: Aí acabou aquela confusão, chega a polícia?
MAGELA: Não, polícia ficou lá na entrada. Veio só um policial, lá. Pediu o Itamar pra não sair. Até que o Zé Augusto foi embora. Mas ele ficou lá do lado de fora, resmungando lá e rosnando lá. O Zé Augusto era o candidato, a verdade tem que ser dita, do PSD. Porque acabaram os partidos mas os membros dos partidos continuavam ligados às siglas, as amizades continuaram. O Itamar era do PTB. Zé Augusto era do PSD, travestido de ARENA. E como é que era? O Tancredo Neves era PSD. Renato Azeredo? Era PSD. Jorge Ferraz era PSD. Eles jogaram o Itamar como candidato, porque não acreditavam que alguém pudesse ganhar do Zé Augusto, ou não quisessem tirar o Zé Augusto do senado, por serem amigos. Eles não tinham interesse da eleição do Itamar, não.