MAGELA: Me recordo do Lambari Noronha, que era uma dupla que fazia muito sucesso em Juiz de Fora. Me recordo dos conjuntos musicais que formavam Turunas do Riachuelo e depois Feliz Lembrança. Turunas foi…
FLÁVIO: Ah… Mas vamos voltar na história aí. O Lambari Noronha: o que era o Lambari Noronha?
MAGELA: Era uma dupla que se vestia de homem e de mulher. E que saía…
FLÁVIO: Eram dois homens?
MAGELA: Dois homens. E que saíam pela cidade, confraternizando com as pessoas. Um tinha apelido de Lambari, o outro tinha apelido de Noronha. Famosos, ficaram famosos durante muitos anos em Juiz de Fora. As pessoas provavelmente mais antigas, se é que ainda tem alguém daquele tempo, vão lembrar. E eles faziam sucesso, essa dupla. Mas eu acabei gostando de carnaval pela proximidade com os ranchos, os ranchos carnavalesco. Porque depois é que vieram as escolas de samba. Os ranchos, os mais famosos de Juiz de Fora foram o “Não venhas assim”. “Não venhas assim que eu não te arrecebo”. “Quem pode, pode”, “Quem são eles”, “Rouxinol”, “Planetas”, “Grafos”, eram chamadas as grandes sociedades. As alegorias eram grandes, gigantescas. Tanto que as escolas de samba hoje com essas alegorias gigantescas, elas estão imitando o que acontecia com os ranchos no passado. E eu comecei a gostar do carnaval levado por uma família da rua que eu morava. Eu morava na Avenida Surerus, número 44, no Ladeira. Em frente à minha casa morava a família Soares. Seu José Soares e a Dona Mariquita. E a Dona Mariquita gostava também muito de carnaval, e ia no carnaval. Eu garoto, criança. A minha mãe não podia ir, ela estava sempre com criança pequena. Nós tínhamos oito irmãos: Expedito, Zezinho, Maria José, Vera Lúcia, Adélcio, Wellington e Adilson. Esqueci alguém? Eu, oito. Então a minha mãe não podia levar. Eu ia com a Dona Mariquita. A Dona Mariquita ia levar os filhos dela, o Bembem. Juiz de Fora deve se lembrar do Bembem, Onofre Soares. O Bembem era um repentista dos melhores. Repentista é aquele que você dá um tema e ele faz um verso musicado, como Juiz de Fora tinham muitos repentistas. E eu ia, e nós, normalmente, ficávamos na esquina da Rua Batista de Oliveira com Rua Halfeld, onde passavam os carros. Os carros subiam a Marechal. Carros com a capota arriada, era muito gostoso, era charmoso. Carros com a capota arriada, subiam a Marechal, desciam a Halfeld, entravam na Praça da Estação, subiam a Marechal e com pessoas em cima dos carros com a capota arriada, e outros no estribo do carro. Porque naquela época os carros tinham estribo. Jogando confete e serpentina uns nos outros. E nós, na beirada do meio fio, eu mais o Bembem, catávamos as serpentinas ou os confetes, que depois no outro dia a gente coava, por causa da terra que vinha junto, pra poder jogar nos outros também. Aí eu passei a gostar do carnaval.
FLÁVIO: Aonde que desfilava esse rancho? Eu num sei se é o termo certo é desfilar…
MAGELA: Desfilava.
FLÁVIO: Aonde que desfilavam esses ranchos?
MAGELA: Desfilavam na Rua Halfeld e na Marechal. Passavam lá na Rio Branco.
FLÁVIO: Nesse mesmo período, tinha o corso e tinha o rancho?
MAGELA: Tinha o corso. Mesmo período.
FLÁVIO: Como que é? E horário? Era tudo de dia, né?
MAGELA: O rancho vinha mais tarde. Vinham mais tarde, por volta de 8-10 horas. E os carros vinham à tarde, até nesse horário. Então os ranchos eram, como eu disse, eram chamados as grandes sociedades porque as pessoas de mais poder aquisitivo é que desfilavam nos ranchos. Então, eram as grandes sociedades. Os carros alegóricos muito bonitos. Tinha tema, como tem hoje nas escola de samba, tem um tema. Qual é o tema? Juiz de Fora de… Em três tempos, vão assim. Eles tinham e faziam as alegorias exatamente dentro daquele tema. Aí eu acabei… Hein?
FLÁVIO: Ahn. Não, aí você até comentou que você estava… Eu te interrompi na hora que você falou, que aí você pegava, assim, os confetes lá, levava pra casa, peneirava, e jogava…
MAGELA: Pra jogar no outro dia. Também, pra jogar nos outros. E as serpentinas, enrolava pra jogar nos carros que estavam passando. Era uma forma que a gente tinha de participar também do carnaval. Mais tarde eu passei a sair também no Rouxinol. O desfile dos rouxinóis era precedido de cavalos com os trombeteiros com aquelas trombetas anunciando que aquele rancho estava vindo. Era muito bonito. (cantarolando) Tam-tam-tam-tam-tam-tam-tam-tam-tam-tam-tam… Aí vinha naquele passo cadenciado. Como se fosse um passo de valsa. Os bailarinos eram… Dançando os pares, muito bonito.
FLÁVIO: Mas você sabe como é que você chegou até lá. A sair, assim. Como é que você conheceu esse pessoal, como é que você foi? Como é que você foi parar nesse rancho?
MAGELA: Fui parar lá porque aqui no Manoel Honório tinha um rancho, Boi da Manta. E a gente ia ver o Boi da Manta ensaiar. O Boi da Manta era aqui na Rio Branco, onde tem… Antes daquela pracinha, aqui na Governador Valadares. Era ali. E a gente ia assistir. E tinha a ala das crianças, e a gente saía na ala das crianças. Porque não era todo dia que os ranchos saíam. Então quando o rancho saía a gente ia. E a Dona Mariquita ia junto, levar eu e o Bem-bem, e a filha dela lá, a Eulália, a Lalinha. Nós íamos sair nos ranchos. Aí eu comecei a conhecer os ranchos. E mais tarde quando vieram as escola de samba, as escola de samba eram formadas por grupos pequenos, não era esse mundo de gente que vai hoje.
FLÁVIO: Ô Magela, mas eu vou só te interromper. Olha só, você começou a sair na ala das crianças, num sei se era ala, né?
MAGELA: Ala.
FLÁVIO: Com as crianças no rancho Boi da Manta…
MAGELA: Boi da Manta.
FLÁVIO: Boi da Manta. Beleza, aí como é que a gente chegou no Rouxinóis?
MAGELA: Não, mais tarde o Rouxinóis… Aí já tinha o Rouxinol. O Boi da Manta era o que abria o desfile, porque ele não era tão poderoso quanto o Rouxinol, Não Venhas Assim, Quem Pode Pode, Quem São Eles, ele não era tão poderoso. Então era aquele que abria os desfiles, o Boi da Manta. E o Rouxinol, de acordo com a classificação… Que havia concurso. Abria conforme a classificação, era a ordem do desfile do ano seguinte. E mais tarde, também, fui… Eu me recordo que o grande nome do Rouxinol era o Seu Alfredo que tinha um açougue na Rua Batista de Oliveira. Torcedor fanático do Tupi. Engraçado, eu tinha esquecido o nome dele, agora o nome dele… O meu computador aqui trouxe o nome dele: Seu Alfredo. E o Rouxinol era sustentado por ele. Porque ele tinha despesas, né?
FLÁVIO: Aí ele bancava, por exemplo, a questão das fantasias…
MAGELA: Tudo.
FLÁVIO: E essas músicas? De onde saíam? Assim, tinha compositores… De onde saíam as músicas dos ranchos?
MAGELA: Tinha compositores. Ensaiava as música daquele rancho. Era segredo de sete chaves. Os carros alegóricos, quando estavam sendo confeccionados, era escondido. Um num podia ver o outro. Que eles queriam surpreender com cada um mais bonito do que o outro. Os ensaios também das músicas eram todos assim. Os que compunham as músicas eram tipo valsa, todas elas cadenciadas. O andamento era o andamento lento, mas todo sincopado em termo de passos. Muito bonito, era bonito. Mas mais tarde os ranchos foram acabando. E quem resistiu durante muito tempo foi o Quem São Eles.
FLÁVIO: Como é que é?
MAGELA: Quem são eles.
FLÁVIO: De onde que era, de que lugar que era?
MAGELA: Era da 7 de Setembro. O Quem São Eles era do Valdomiro. Valdomiro tinha um conjunto que acompanhava, que também ia nos jogos do Tupynambás, era a bateria do Tupynambás. Então chama lá o de… Vinha a bateria do Valdomiro. Valdomiro era do Tupynambás, mas era o rancho carnavalesco deles. Então, o que acontecia com as músicas, é que elas eram muito… Tá certo que elas… Um aprendia do outro, porque numa música principalmente você num consegue guardar segredo por muito tempo. Mas sempre se mantinha o máximo segredo. E usavam aquelas capas, que você abria as asas que formava aquelas auréolas bonitas, né? E depois mais tarde, quando os ranchos foram fracassando, porque os patrocinadores também foram escasseando, foram surgindo as escolas de samba. As escolas de samba num tinham muita gente também como tem hoje. Eram aqueles grupinhos com conjunto musical, um cavaquinho, um violão, um tamtam, um surdo, uma cabaça. E saíam aqueles conjuntos tocando. E como é que disputavam os títulos: tirando um tema do repentista. Parava ali um de lá, outro de cá, e aqueles repentistas davam ao… Alguém dava o tema,e eles iam e… No fim ganhava quem num tinha mais nada pra falar.
FLÁVIO: Isso no caso das escolas.
MAGELA: Das escolas.
FLÁVIO: Olha só.
MAGELA: Mais tarde… Nesse tempo, o desfiles na Rio Branco. Primeiro não era na Rio Branco, primeiro era na Halfeld. Descia ali. Outra hora na Marechal. As batalhas de confete também nos vários locais. As batalhas de confete precediam o carnaval. Criava-se a expectativa e o clima, as batalhas. A batalha de confete mais famosa de Juiz de Fora era da parte baixa da Marechal, que era patrocinada pelo folião Cury. O Cury tinha uma casa de comércio, chamava Casa Brasil, e ele vendia material pra carnaval. E fazia as batalhas de confete. Mais tarde, ou pouco tempo depois, o Seu Cecílio Sampaio, pai do Carlos Sampaio, que está vivo ainda aí graças a Deus… O Seu Cecílio Sampaio passou a fazer… Seu Cecílio Sampaio tinha uma casa de comércio na Rua Halfeld e passou a fazer também as batalhas de confete da Rua Halfeld. Aí passou a disputar qual que era a melhor. E criou-se aquele clima gostoso do pré-carnavalesco.
FLÁVIO: E isso era nos dias que antecediam o carnaval.
MAGELA: Nos dia que antecediam o carnaval.
FLÁVIO: Beleza.
MAGELA: Então, aí veio a batalha de São Mateus, batalha do Vitorino Braga, batalha de confetes do Manoel Honório. Os bairros passaram também a fazer as suas batalhas de confete. Quem é que desfilava na batalha de confete? Os conjuntos musicais. O próprio Turunas desfilava, o próprio Feliz Lembrança desfilava, Castelo de Ouro e outros…
FLÁVIO: Então, aí esse pessoal ia desfilando e pessoal jogando confete, era isso? Que era as batalha… Só pra eu entender como é que era a batalha.
MAGELA: Batalha… Armava-se um palanque…
FLÁVIO: Ah, tá. Um palanque.
MAGELA: Armava-se um palanque, alguém era o apresentador e ia anunciando as atrações que iam desfilando. E o povo ali no meio, pulando. Eu me recordo disso, assim, com muita saudade, porque era muito gostoso. Era muito bom, mas muito, muito bom. A gente num via… Via as pessoas alegres, brincando, num via briga. Num via violência. Parece que, você via… sentia o cheiro da lança-perfume sem o abuso da lança-perfume. Hoje num pode usar lança-perfume, porque eles vão usar lança-perfume pra abusar do lança-perfume, né. Que aquilo é um entorpecente, né?