A morte da madrinha Lica

MAGELA: A minha avó, que era viúva, veio junto pra morar com a mamãe e com o papai. A madrinha Lica estava sempre junto com a gente.
FLÁVIO: E você tem uma lembrança boa da Vila Augusta, nesse período?
MAGELA: Não. Eu era muito criança. Na época tinha uns dois anos ou um ano e pouco. Eu lembro que era uma casa assim meio no alto, como até hoje lá as casas são todas no alto, morro. E tinha um… em baixo, como se chama, sótão. E ali eu brincava muito. Eu lembro daquilo. Lembro quando minha avó, madrinha Lica, foi fazer uma cirurgia de apendicite ou vesícula, não sei… na Santa Casa. Naquela época, sofrer de apendicite ou vesícula era morte certa, né? Eu já tinha 3 pra 4 anos. E minha mãe contava e eu me lembro ainda, por eu ser muito agarrado a ela, porque ela me defendia muito quando eles me batiam, então ela vinha e me agarrava e não deixava eles me baterem. E eu apaixonei por ela, era minha avó que eu tinha paixão. E quando ela foi pra Santa Casa pra ser operada, diz que eu criei muito caso, eu queria ir junto, mas ela foi-se e morreu. Eu tinha quase quatro anos. Isso devia ser por volta de 1930 ou 1931. E eu lembro que chegou um senhor lá em casa, um escuro, falando com o meu pai. Quando ele acabou de falar com o meu pai, lá na porta da casa, era uma casa grande que parecia uma fazenda… ele começou a chorar, o meu pai. E veio andando pra dentro de casa e quando ele falou alguma coisa com a minha mãe, a minha mãe começou a gritar e a chorar muito. Eu não entendia nada porque estavam os dois chorando. A minha avó tinha morrido, a minha madrinha Lica tinha morrido. Foi uma choradeira, porque morava também junto o meu tio Geraldo, que era irmão da minha mãe. O meu tio que mais tarde me levou no campo do Tupi, já com 5 anos, pra ver a inauguração do campo. E o meu tio Dionísio, que me levou no Rio de Janeiro pela primeira vez ver um jogo do Botafogo com o Vasco. Choravam muito. A minha mãe estava cuidando do meu segundo irmão, o Expedito. Porque a minha mãe era parideira, teve oito filhos quase que um atrás do outro. E aquela choradeira ali, eu não entendia. E eu vi que não queriam falar comigo, porque eu era muito agarrado com a minha avó. O certo é que eu soube que a madrinha Lica tinha morrido só quando o caixão chegou na Vila Augusta. E eu comecei a gritar e chorar muito, isso eu lembro. E ali foi feito o velório. Eu não dormi um minuto na beirada do caixão. Queria segurar as velas. E quando foi no outro dia, que ela iria ser enterrada, e ela foi enterrada no Cemitério Municipal, e tem lá até hoje o túmulo dela, que a gente trata com muito cuidado e carinho. Veio uma carruagem com dois cavalos e um cocheiro que toca a carruagem, ali é que levava o caixão. Chovia a cântaros. Colocaram o caixão naquela carruagem, o meu pai subiu na boleia junto com o cocheiro e eu não queria deixar fechar o caixão, foi um custo, não queria. São traumas que ficam pra vida inteira, tem 80 anos que isso aconteceu comigo e está aqui na minha cabeça até agora. Eu vendo eles querendo fechar o caixão e eu gritando ali e não querendo.