1964

MAGELA: No dia que foi deflagrada a revolução eu era diretor da Rádio Industrial. Eu tinha transmitido pela Rádio Industrial o comício do Miguel Arraes no Cinema Popular. Nessa altura, o meu amigo Olavo Costa já era meu adversário, e eu adversário dele. Porque eu já estava no MDB, levado pelo Calil Rad. Porque muita gente tinha medo de assinar, e eu assinei a ficha. Fui um dos primeiros a assinar. Eu não sei que a minha colocação, mas fui um dos primeiros a assinar, pra formar o partido, que tinha que ter um número mínimo de pessoas, de adeptos, pra formar. Mas eu não tinha militância. Eu fui lá formar, ajudei constar e tal… Eu não tinha militância. Foi quando veio em Juiz de Fora o Miguel Arraes. Foi um comício realizado no Cinema Popular, dentro do Cinema Popular na Avenida Getúlio Vargas. Aquele cinema, que eu já tinha antes assistido alguns desenhos animados, que eu assisti com a minha noiva o Flash Gordon no Planeta Marte, né? Ali foi realizado o comício do MDB, que veio o Miguel Arraes. Naquela ocasião, inclusive o Mello Reis, que mais tarde foi eleito pela ARENA, participou ativamente desse comício, inclusive sendo um dos oradores. Depois, mais tarde, pra salvar a pele, ele acabou indo pra ARENA, mas nesse comício do Cinema Popular foi uma coisa incrível, inclusive de Belo Horizonte, veio carro da polícia pra jogar água em quem estava lá dentro. Quem estava lá do lado de fora, que era uma multidão do lado de fora, estavam tampando água. Mas antes disso acontecer, eu já tinha ajudado o Clodesmidt Riani também, como deputado estadual. Já tinha votado nele, pedido voto pra ele, achava uma pessoa fantástica, maravilhosa, um homem de bem, um homem sem mácula, como é até hoje, né? Nós o ajudamos, também. Mas, por eu ter participado daquele comício e transmitido como estavam junto comigo transmitindo o José Carlos Lery Guimarães e o irmão dele, o Heitor Augusto, quando ia se deflagrar a revolução, nós fomos chamados para o Quartel General.
FLÁVIO: Então nessa chamada ao quartel o general Olímpio Mourão Filho pegou leve, né? Só conversou com vocês.
MAGELA: Quem?
FLÁVIO: O Olímpio Mourão Filho.
MAGELA: Ah, deixou a gente lá o dia inteiro, batendo de botas, batendo com a varinha na bota. Andando pra lá e pra cá. Porque ele pretendia declarar a independência do Brasil e criar a nova república em Juiz de Fora às 9 horas da manhã. Acontece que ele precisava do apoio do comandante da Segunda Região em São Paulo. Ele precisava do apoio do comandante da Quinta Região, lá em Recife. E não chegou esse apoio. Esse apoio foi chegar por volta de 5 horas da tarde. Foi quando ele fez a declaração e para tanto, ele usou a onda curta da Rádio Industrial de Juiz de Fora. Ele colocou a parte técnica da quarta região pra melhorar o alcance da Rádio Industrial e dali ele fez a declaração. Aí todo mundo saiu, foi embora. Nós todos fomos pra casa. Eu fui pra casa, de lá, eu morava na Rua Carolina de Assis. De casa, fui pra Rádio Industrial na Praça João Pessoa. Cheguei lá, tinha um bilhete do Dr. Sérgio Mendes, pedindo que eu assumisse a rádio porque eles tinham que viajar. E viajou ele, o Gudesteu, o Geraldo e a dona… E a esposa dele, dona Dolores. Quando foi sete horas da noite, como acontece até hoje, entrava a Hora do Brasil. Hoje é Agência Nacional. O que que eu vou por no ar? A Hora do Brasil, né? Daí a um pouco chegou lá na rádio, subiu lá na praça João Pessoa, foi lá em cima. “Com ordem de quem eu coloquei a Hora do Brasil no ar?”. Com ordem de quem, ué. “Aqui é a Capital da República, você vai obedecer às ordens do comando”. E aí me pediu pra ir pra discoteca. Chegou lá com aqueles discos de marchas patrióticas, aquela coisa. “Tá aí os textos”, deixou uns textos. Uma pena que eu não guardei esses textos. E toda hora tinha que estar falando. E só tocando aquela música. Aquilo emendou a noite, foi embora. “Aqui é a Nova República”. A Rádio Industrial de Juiz de Fora foi testemunha ocular. A Rádio Industrial de Juiz de Fora foi aquela voz que ecoou pelo Brasil inteiro, com a voz do general Olímpio Mourão Filho declarando guerra ao governo João Goulart. Então, foi um momento que eu passei como homem de rádio e de televisão. Àquela altura, a TV Industrial não tinha sido inaugurada ainda, mas o Sérgio Mendes já tinha autorização. Aí, muitas prisões. Muitas prisões, aquilo prenderam gente pra dar com pau.
FLÁVIO: E no dia seguinte? Como é que foi? Porque você não exibiu a hora do Brasil, né, entraram as marchas. Ela nem chegou a… Interrompeu no meio a Hora do Brasil? Como é que foi?
MAGELA: Interrompeu, cortou, saiu do ar! Tirou a Hora do Brasil.
FLÁVIO: E aí, no dia seguinte?
MAGELA: No dia seguinte a programação foi uma programação cívica. Só tocando músicas… Marchas Militares.
FLÁVIO: E eles pediram um espaço pra falar?
MAGELA: Eles não tinham que pedir não, eles assumiam o espaço. Fizeram várias mensagens do interesse deles.
MAGELA: Foi quando eles, depois, reuniram vários militares de Juiz de Fora e de São João del Rei. Porque naquela época Juiz de Fora não era décima R.I. Era 12 R.I., que hoje está em São João del Rei. Então foram levando gente e os herois do Maracanã. Eu sempre soube que heroi do Maracanã foi Garrincha, Pelé, Didi, Nilton Santos e por aí a fora. Mas aí surgiram… Tomaram conta. Foram aquartelar no Maracanã. Mas antes eles se encontraram na divisa do estado de Minas com o estado do Rio, aqui em Paraíba do Sul, Paraibuna, naquela ponte ali, em que o rio divide os dois estados. E aí aconteceu isso que todo mundo conhece, que a cidade conhece, foram… Que o mundo conhece, foram 21 anos de opressão, muitas pessoas de bem morreram, despareceram. O nosso amigo Clodesmidt Riani sofreu muito. Muito. Mas teve a dignidade de se entregar. Ia à missa primeiro, na Igreja da Glória, descia a Avenida dos Andradas, e ia se entregar ali no Quartel General.